Um dos fenômenos sociais já comprovados durante a pandemia da Covid-19 no Brasil é que uma parte da população brasileira “redescobriu” o quanto é importante e essencial o funcionamento dos serviços públicos, sobretudo os disponíveis no Sistema Único de Saúde - SUS. Serviços que foram amplamente sucateados nos últimos 4 anos devido à EC 95.
As instituições de ensino superior públicas federais e estaduais também foram “redescobertas”. No seio da convergência da crise sanitária com a crise social e política, as universidades e institutos federais ganham protagonismo na produção de conhecimento capaz de colaborar com o enfrentamento da pandemia. Na contramão da negligência com que o governo federal tem tratado a situação caótica causada pela pandemia do novo coronavírus, as instituições de ensino superior (IES) reafirmam o seu papel junto à sociedade.
Mesmo diante de todo o desmonte e cortes orçamentários, as Universidades e Institutos Federais aprofundaram suas responsabilidades e compromissos sociais. Estudantes, técnico-administrativos e professores passaram a produzir e a distribuir gratuitamente equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde, desenvolver e disponibilizar respiradores artificiais de baixo custo, álcool em gel e detergente para serviços públicos de saúde, organizar doações de alimentos para segmentos sociais mais vulneráveis da população e a garantir o funcionamento remoto e presencial de serviços de saúde em diversos tipos de clínicas escolas.
O cenário que temos vivenciado grita para nós a centralidade de estarmos voltados para iniciativas que garantam a sobrevivência do povo, bem como, a importância de defendermos as nossas políticas e bens públicos como a saúde e educação. As atividades desenvolvidas pelas IEs durante a pandemia denotam a importância da pesquisa e extensão universitárias e reafirmam o valor dessas instituições para além da realização de aulas na formação dos profissionais. Assim, é importante questionar qual a centralidade de encontrar “reparos” para a realização de aulas durante o isolamento social. A quem, de fato, o ensino remoto importa?
Desde março, o Ministério da Educação autorizou e pressiona as instituições a adotarem a substituição de disciplinas presenciais por aulas que utilizem tecnologias de informação e comunicação como aparato para o ensino remoto. Não é à toa a exigência do MEC em atravessar o ensino remoto nas universidades, as instituições privadas já disputam há algum tempo as modalidades de ensino a distância como ferramenta de barateamento e ressignificação do papel do professor, bem como de supressão dos espaços físicos das universidades. Importa por isso, que tenhamos em mente que as lacunas do ensino a distância vão da exclusão pelo método à construção de um projeto de educação cada dia mais liberal.
São dois meses desde a iniciativa do MEC de flexibilizar o ensino remoto e apenas 06 das 69 universidades públicas federais adotaram a modalidade e outras 04 parcialmente. As razões para a impossibilidade de adoção da proposta foram rápidas e facilmente constatadas pelas instituições.
Em primeiro lugar o ensino a distância tem limitações pedagógicas, tendo em vista a limitação da interação entre professores e alunos, o que fragiliza o processo de ensino e aprendizagem. Em segundo, reforça as desigualdades sociais uma vez que nem toda a comunidade acadêmica tem acesso a computadores e rede de internet, em função das condições socioeconômicas ou território em que vive, a saber pelas comunidades indígenas, quilombolas, rurais e a própria periferia urbana. Destacamos ainda a sensibilidade para com os estudantes com deficiência, que precisam de acompanhamento específico e a saúde mental da comunidade em geral, durante esse período de tantas perdas e fragilidade emocional.
Uma mudança dessa magnitude, nesse momento e dessa forma, traria como resultado imediato a necessidade de uma profunda mudança na base do ensino público superior, com consequências negativas a curto, médio e longo prazos. Os estudantes perderiam o ensino mediado por professores para um ensino mediado por máquinas, deixando de lado os benefícios do caráter pedagógico das aulas presenciais, além de retroceder para a uma concepção da educação bancária, tão criticada por Paulo Freire.
Estudantes, técnico-administrativos e professores não são contrários à utilização das tecnologias nas atividades acadêmicas, pois elas são, em grande parte, resultado do desenvolvimento de suas pesquisas; mas tal implantação requer um amplo e democrático debate, uma necessária regulamentação por parte das instituições e a organização de estruturas de funcionamento que permitam a inclusão de todos os seus trabalhadores e dos beneficiados por seus serviços.
Implantar aulas remotas sem uma estrutura mínima nas universidades e nos institutos federais excluiria milhares de estudantes, que não possuem acesso a equipamentos necessários para as atividades virtuais e a serviços de internet. Segundo a V Pesquisa do Perfil Socioeconômico de Estudantes de Graduação das Universidades Federais de Ensino Superior, realizada em 2018 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES, 50,9%, dos alunos eram de famílias com renda mensal bruta de até três salários mínimos.
Além disso, a implantação de aulas remotas também resultaria em inúmeros problemas para as universidades e institutos federais, quando do seu retorno às atividades pós-pandemia, já que teria a responsabilidade de oferecer o conteúdo para os alunos que não puderam acompanhar as atividades virtuais, gerando assim uma espécie de calendários distintos, um para quem teve oportunidade de frequentar as aulas remotas e outro para aqueles que não tiveram oportunidade ou mesmo não conseguiram cumprir a carga horária por uma especificidade do curso. Assim, percebemos que esta medida fere frontalmente o princípio da universalização da educação que consta em nossa Constituição Federal e reforça o ideal meritocrático e individualista da educação neoliberal.
Nesse sentido, entendemos que a nossa luta prioritária frente a este cenário é a defesa pela vida. Ressaltando que todas as vidas importam e que necessitamos cumprir as orientações das autoridades de saúde quanto ao cumprimento do isolamento social. Não podemos ignorar o aumento vertiginoso do número de casos nos últimos dias, todos os nossos esforços devem convergir em torno da garantia de que a população possa se proteger até que sejam restabelecidas as condições aceitáveis de saúde pública.
Compreendemos que todo processo educativo tem como finalidade a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Num país marcado pela desigualdade como o nosso, a educação se constitui como a via principal de acesso à cidadania plena, é por meio dela que se pode, efetivamente, pensar a transformação social. Sendo assim, é preciso considerar as condições socioeconômicas de todos os estudantes e garantir que nenhuma estratégia de continuidade dos calendários acadêmicos seja adotada a despeito da exclusão de qualquer que seja a parcela do corpo discente. É preciso continuar a defender nossas políticas públicas e, portanto, não permitir que o capital se aproprie desta crise para consolidar seu projeto de desmonte e privatização da educação brasileira.
Diante de tal conjuntura, os sindicatos dos técnico-administrativos e dos docentes do IFPB, UEPB, UFCG e UFPB, assim como o Diretório Central dos Estudantes da UFCG e IFPB e o Coletivo Integrado de Centros Acadêmicos da UEPB, apontam a urgente necessidade de rejeição total das aulas remotas nesse momento e que seja construída a readequação dos calendários acadêmicos de tais instituições no pós pandemia, sem prejuízo a qualquer membro da comunidade acadêmica. Assim, nos posicionamos pela suspensão das aulas por tempo indeterminado e consequentemente pelo adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM.
Suspensão das atividades de ensino e a problemática do ensino remoto
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