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Natural de Campina Grande, 42 anos, marido de Eliane, pai de Ana Beatriz, é um entre os cinco filhos de Benedito e Giseuda. Graduado em História, Especialista em Administração, Mestre em Literatura e Interculturalidade. Profissões: professor, vigilante, estudante e cerimonialista nas horas vagas. Isso mesmo. Funcionário da Universidade Estadual da Paraíba na função de vigilante há 20 anos, agora tem o título de Mestre pela Instituição. Este é José Itamar Sales da Silva e esta é um pouco da UEPB na sua história.
Mudando um pouco o ditado, nada como abrir com chave de ouro. Para inaugurar esta nova proposta da Assessoria de Comunicação (ASCOM) da UEPB, a de procurar pessoas com boas histórias para contar e como a Instituição influenciou suas vidas, apresentamos José Itamar. Aliás, Itamar, de agora em diante. Não é todo o dia que descobrimos um vigilante que virou mestre. A propósito: um vigilante com título de mestre, pois Itamar continua exercendo esta função, mesmo entre estudos e outros afazeres.
Muitos devem estar se fazendo agora algumas perguntas, as quais Itamar precisou responder durante quase toda a sua vida: Como conseguiu tornar-se mestre sendo vigilante? Como continuou vigilante depois destas conquistas? Vamos por partes.
Itamar prestou concurso para vigilante na UEPB em 1990. Logo em seguida, passou no vestibular e ingressou no curso de História do então campus II da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), atual Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Terminado o curso em 1994, começou a dar aulas como professor de História para alunos do Ensino Fundamental em escolas particulares da cidade.
Durante 13 anos ininterruptos, Itamar continuou com essas duas atividades: professor e vigilante. Seu turno na UEPB era à noite, e durante o dia, ministrava aulas. Neste meio tempo, também casou, teve uma filha e viu suas responsabilidades aumentarem. Continuar os estudos e fazer uma pós-graduação, parecia um sonho distante.
“Ninguém perde nada por tentar”
Foi então em 2007, após muitas reflexões e comentários dos amigos – que diziam “você deveria voltar”, “víamos que você tinha capacidade”, além da frase que virou o lema da sua vida: “ninguém perde nada por tentar” - Itamar resolveu retornar aos estudos. A primeira oportunidade surgiu como o MBA, um tipo de Especialização em Administração oferecido pela Escola de Serviço Público do Estado da Paraíba (ESPEP). Mas junto com a oportunidade, veio também o primeiro desafio: o curso era voltado apenas para pessoas da área administrativa.
Porém, a vontade de Itamar era tamanha que ele fez uma carta ao responsável da época, falando sobre sua situação e contando seus objetivos. Foi, então, atendido e teve sua inscrição aceita. Pôde realizar a prova e concorrer às vagas. Apesar de o conteúdo ser fora de sua área de estudos, conseguiu passar em boa colocação. Foram oferecidas 40 vagas e apenas oito foram classificados. “Pra mim, foi a melhor coisa do mundo. Nunca tinha estudado aquele conteúdo e, entre tantas pessoas que tentaram e não conseguiram, eu estava ali. Para outros, poderia não ser grande coisa, mas como eu não tive uma vida fácil, aprendi a valorizar as pequenas coisas”, disse.
Chegando ao primeiro dia de aula, mais surpresas e desafios. Na hora da apresentação, viu que entre os alunos estavam auditores fiscais, delegados de polícia, oficiais de justiças, coronéis. Pessoas com cargos de chefia ou ocupações que supostamente justificavam estarem no MBA. Ao se apresentar, Itamar surpreendeu a todos ao dizer que era vigilante. “Eu nunca me envergonhei de ser vigilante nem nunca omito esse fato. Até me acostumei com os questionamentos, apesar de achar que esta é uma profissão digna como qualquer outra”, afirmou.
Após a surpresa inicial, Itamar conquistou o respeito e admiração dos colegas, tendo até sido eleito representante de turma. “Eles poderiam ter elegido qualquer um, entre delegados e outros tantos com profissões ditas de status, mas escolheram a mim e fiquei muito contente”, revelou.
Com tudo isso, nosso funcionário ficou então mais empolgado para tentar realizar outro desejo: a Seleção de Mestrado. Viu no Mestrado de Literatura e Interculturalidade (MLI) da UEPB uma oportunidade de encaixar o que pensava como projeto de pesquisa. Já há algum tempo, Itamar se interessava por literatura de cordel e lhe chamou atenção a linha de pesquisa Literatura, Memória e Estudos Culturais, onde viu a oportunidade de inserir seu objeto de estudo. Também fora de sua área, Itamar teve que estudar bastante para o mestrado. E pouco a pouco, foi passando pelas etapas de projeto, prova, entrevista.
Assim, ele começou a cursar Especialização e Mestrado quase simultaneamente. E apesar de ter direito, não se afastou de sua função de vigilante na UEPB e continuou a dar aulas de História em escolas privadas. Porém, para poder se dedicar aos estudos, reduziu bastante sua carga horária, que era muito puxada.
Em campo com a pesquisa
A dissertação de Mestrado de Itamar intitula-se “A representação da sogra na obra de Leandro Gomes de Barros”, sob a orientação da professora Dra. Geralda Medeiros Nóbrega. Após ser aprovado, Itamar começou suas pesquisas de campo, ainda que um pouco informalmente, pois havia decidido por um determinado recorte de estudos. Acabou decidindo pelo que se tornou o produto final, mas que preservava o foco na literatura de cordel.
A Biblioteca Átila Almeida da UEPB foi fonte de pesquisa para Itamar. “Em Átila Almeida há um acervo muito grande de cordéis. Procurei pelo poeta José Alves Sobrinho, que para mim é o maior pesquisador em Literatura de Cordel que existe na atualidade. Depois, paguei todas as disciplinas e caí em campo para produzir minha dissertação”, disse.
O então mestrando acabou por escolher a temática da representação da sogra na obra de Leandro Gomes de Barros por considerá-lo como o maior expoente da cultura popular brasileira. “No processo de pesquisa, descobri que Leandro Gomes havia escrito dez folhetos falando especificamente sobre a sogra. Achei que sogra seria algo interessante para se discorrer. Ao descobrir que este foco da pesquisa seria algo inédito - pois não havia trabalhos escritos sobre a representação da sogra na literatura de cordel - decidi pelo tema”, explicou Itamar.
Pois bem. Defendida a dissertação em maio de 2010, meses depois, o trabalho rendeu outros frutos para Itamar, além da realização que lhe proporcionou. Ele tentou, junto à Universidade, que seu trabalho fosse considerado para publicação. No final de julho deste ano, para sua surpresa, ele recebeu um telefonema da reitora Marlene Alves, parabenizando-lhe pela suas conquistas e reiterando o compromisso da Instituição em transformar sua pesquisa em livro. Em breve, deveremos ter, então, o livro de José Itamar Sales da Silva saindo do forno.
Planos para continuação de estudos, como doutorado existem, confessa Itamar. Tanto é que se matriculou como aluno especial no Doutorado de Ciências Sociais da UFCG para tentar encaixar sua pesquisa, já que esta seria, mais uma vez, em uma área diferente da sua. “Encontrei uma linha de pesquisa onde poderia me inserir. Não consegui, porém, encaixar a sogra. Minha vontade era continuar com esta linha, mas, vamos ver...”, cogitou o constante estudante.
Apoio da família
Com tantos desafios e o sobe e desce da vida profissional e acadêmica, não poderíamos deixar de perguntar o papel da família nessas horas. Itamar diz que teve a sorte de sempre contar com a ajuda de todos. “Minha esposa sempre me deu muito apoio e o resto da minha família me vê como um guerreiro. Tive uma infância difícil, minha família tem pouco estudo e meus irmãos não conseguiram se formar. Meus pais, a princípio, não enxergavam grandes possibilidades no meu futuro, e eu, muito menos”, brincou.
Sobre a o papel da Instituição na sua história, comenta: “A UEPB para mim foi importante principalmente no aspecto que, trabalhando à noite, especificamente como vigilante, eu dispunha do dia para desenvolver outras atividades”. Itamar já trabalhou em diversos prédios da Universidade. Atualmente, trabalha na Faculdade de Serviço Social, no bairro do Catolé, e sua mudança para este local de trabalho coincidiu com a época em que estava tentando as seleções de mestrado e MBA.
“Considero este período outra coisa que me ocorreu de bom na Instituição. Um belo dia eu conversei com a então diretora do Centro, professora Thereza Karla de Souza Melo, e ela me permitiu utilizar, após o expediente, o Laboratório de Informática para que eu pudesse pesquisar e estudar. Agradeci a oportunidade e achei sensível de sua parte apoiar alguém que se interessava em aprender”, completou Itamar.
Tchau alunos, vou trabalhar
Apesar dos apoios, houve também adversidades, inclusive preconceito, mas Itamar afirma já estar “calejado” e “tirar de letra” esse tipo de atitude. “Certas coisas são percebidas, embora não esboçadas verbalmente”, disse.
Ser professor de nível superior é um dos sonhos de Itamar. “Não tenho muita ambição na vida, mas tenho alguns sonhos”, afirmou. Apesar disso, questionado se decidiria por uma única profissão, ele explanou: “O magistério é uma das poucas profissões hoje em dia em que é permitido ter outra atividade. A princípio, eu tentaria acumular”, explicou.
O prazeroso bate-papo está próximo de terminar quando brinco ao dizer que seria no mínimo engraçado, caso Itamar se tornasse professor da UEPB e, ministrando aulas no curso de História (localizado no prédio do CEDUC, vizinho à Faculdade de Serviço Social - sua atual área de trabalho), dissesse “Tchau alunos, começarei outro
turno agora”. Interessante, não? Interessante é também o sujeito por trás desses causos e causas. Este é Itamar. E esta foi um pouco da sua história.
Fonte: Ascom/UEPB
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